O sonho do Flamengo de enfim construir um estádio na Gávea ganhou ânimo após a prefeitura do Rio assinar o protocolo para a construção, na semana passada. Mas para sair do papel, o projeto enfrentará – novamente – a resistência da Associação dos Morados do Leblon (AmaLeblon). Ao Globo Esporte, a presidente da entidade, Evelyn Rosenzweig, falou sobre a polêmica e reiterou que ainda não houve uma conversa com o clube.
A representante da AmaLeblon afirmou que sofre pressão de moradores toda vez que o assunto envolvendo o estádio na sede do Rubro-Negro, negou que o movimento da associação tenha cunho preconceituoso. Para ela, a região da Lagoa é um patrimônio da cidade e a construção do estádio geraria uma poluição visual absurda.
O clube preferiu não se manifestar agora sobre as declarações da representante AmaLeblon. Na semana passada, o prefeito Marcelo Crivella mostrou-se favorável a uma remodelação do terreno do Flamengo, e a intenção é usar a Gávea para jogos de menor apelo e com capacidade aproximada de 25 mil pessoas – a ideia inicial era para cerca de 20 mil, mas o número mencionado no evento foi maior. O processo ainda está no início: o Rubro-Negro ainda precisa definir seu projeto de estádio para posteriormente correr atrás da diversas licenças que necessita para a construção da arena.
Veja a entrevista com a representante da AmaLeblon:
A AmaLeblon foi procurada pela Prefeitura ou pelo Flamengo?
– Não fomos procurados. A gente sempre senta (para conversar), não vamos fazer desfeitas. Vamos conversar, não tem como aceitar um projeto desse porte. Acho isso, sinceramente, uma aberração. O nome disso é aberração. Estou sendo extremamente hostilizada pelos torcedores. Torcedor de qualquer time se é fanático, é fanático, seja ele qual for. Sou flamenguista, mas não tenho nenhuma tendência a esse fanatismo. Porque o Flamengo quer um estádio para chamar de seu, mas depois desse anúncio fui chamado por um dirigente, não sei o que ele é, que é um amigo para conversar. É uma aberração, é um movimento contrário com o que hoje um centro urbano, uma cidade tão adensada, está fazendo para resgatar uma qualidade de vida. É inimaginável se pensar em colocar um estádio dentro de um bairro como o Leblon, ou Ipanema, Tijuca, onde quer que seja. “Mas tem o estádio no Maracanã”, aí tem que enfiar um estádio no Leblon? “Mas tem um no Engenhão”, tem que enfiar também um no Leblon? Um erro justifica o outro? Você tem que colocar um trambolho no Leblon porque tem um em outro lugar? A gente não concorda. Não é a Evelyn, não é a minha opinião, mas a do morador.
A pressão é forte entre os moradores?
– Estou sendo muito pressionada. Você não tem ideia. “Você vai deixar um negócio desses?”, como se estivesse assim uma facilidade enorme. Imagina a pressão de Garotinha, de Patrícia Amorim, do próprio prefeito que me pediu para dar uma oportunidade para o clube do Flamengo mostrar o projeto. Mas não tem projeto. Vai ser um estádio acústico, isso significa colocar um toldo. Imagina um toldo… O toldo de uma loja já é um coco, imagino o de um estádio?
Quais são as maiores preocupações de vocês com um projeto desse?
– O que preocupa mais é tudo! A maior preocupação é um trambolho urbanístico horroroso, uma poluição visual absurda. Isso já é uma agressão, primeiro ao patrimônio da humanidade, que é o entorno da Lagoa. Isso é tombado. É um desrespeito ao que é tombado. O entorno da Lagoa é patrimônio histórico, no governo do Eduardo Paes ele foi tombado. Isso tem que ser respeitado, ou não vai ser?
O que mais seria preocupação?
– Aí vem a outra questão, a de adensamento. Um estádio desse porte, para 20, 24, 25 mil pessoas tem um custo muito alto. Esse custo não vai ser de brincadeira, então tem que justificar, pagar esse custo. Você não vai fazer um jogo de dois em dois meses. “Não vamos fazer Fla x Flu, não vamos fazer Flamengo e Botafogo”… Balela! Um estádio de 24 mil pessoas significa você ter dois blocos de carnaval que tem você tem que dispersar em cada evento desse dia. E dispersar isso não é fácil, não é uma situação fácil para um bairro como o nosso. A gente vê em blocos de carnaval, a dificuldade que é isso. É mais um transtorno para o entorno.
Vimos muita gente questionando que o Leblon e os bairros no entorno da Lagoa sobrevivem, por exemplo, ao impacto no trânsito e a árvore da Lagoa. Caberia uma comparação?
– Também. Aí vem o argumento do metrô. Tem o metrô e ponto. Não tem integração. É também uma mentira, não temos essa integração toda, essa coisa maravilhosa que se fala. Não é uma realidade. Tem gente que mora em São Conrado e não usa metrô, porque vai até a Rocinha, não até o final de São Conrado. Ela tem que parar ali e pegar um táxi, por exemplo. Estou cansada de ouvir isso de pessoas que poderiam estar usando o metrô. Isso é uma balela, não temos metrô para o Recreio, por exemplo. “Não vai ter estacionamento”, mas o cara vem de carro. Ele vai procurar estacionamento, porque quer comodidade, nas ruas de entorno. A gente conhece. Não é o brasileiro ou o carioca, a gente conhece o ser humano. Todos esses impactos não têm preço. Para a gente destombar o cinema Leblon, resgatar três cinemas e fazer um prédio comercial foi uma coisa horrorosa. Qual é o objetivo? Qual o propósito disso? Agradar o torcedor do Flamengo? Pelo amor de Deus! Agradecer a diretoria, né? Porque tem gente lá dentro que não quer, mas não pode se manifestar, porque senão é expulso do clube. Não há possibilidade. A gente senta para conversar e dizer “não”.
Vocês pedem, em algum momento, que o Leblon tenha tratamento diferenciado de outros bairros ou isso não acontece?
– Não tem nada a ver isso. Os caras já chegam falando “vocês não gostam de preto, não gostam pobre, não gostam de amarelo”. Tem nada a ver com isso, não dá nem para discutir com um imbecil desse, porque não tem nada a ver com isso. Temos preto, pobre, amarelo, indiano, tudo aqui. Temos Vidigal, Chácara dos Céus, Minhocão e convivemos maravilhosamente bem com todo mundo aqui. Isso não é preconceito, é luta pela nossa qualidade de vida. Queremos resgatar um pouco dessa qualidade que já perdemos, isso não é um oásis não. Vai ver o canal da Visconde de Albuquerque, aquilo é um poço de coco. Não conseguimos resgatar nem isso, imagina com isso. Vai trazer emprego? Quando muito um emprego temporário, né? A gente quer emprego mesmo. Fazer um prédio como o cinema Leblon, como um prédio empresarial como foi o shopping.
Shopping ainda revitalizou uma área, não é?
– Que impacto trouxe o shopping? Nenhum. Pelo contrário, revitalizou o espaço, isso sim. Não tem comparação. Sem parâmetro.
E os moradores da Selva de Pedra (conjunto de prédios de frente para a Gávea) já se manifestaram?
– Eles já se manifestaram, estão fazendo abaixo assinado. São super parceiros e não querem de jeito nenhum. O impacto maior é para eles. Nessa questão de acústica tem o Lagoon, que é o grande desrespeitador do morador da Selva de Pedra. Recebo sempre e-mails reclamando e minha impotência é total. Não posso fazer nada. Dá vontade de responder, “meu senhor, lamento”.
Você falou que recebe mensagens. São muitos torcedores mandando?
– Muitos, só ver na página da AmaLeblon, fora os que eu já tirei, porque desaforo tem limite. “Vai ter sim”, “vocês não mandam”, “vocês não são donos”… Primeiro, o morador do seu bairro tem que preservar o bairro, é obrigação. Cada um que preserve o seu. A gente não é dono do bairro, mas temos que cuidar do nosso padrão. Todo mundo deveria fazer isso, temos que preservar o nosso. Não queremos esse monstrengo aqui. Não é porque os outros estão ruins que vamos fazer o nosso ruim também, nada disso. Falamos isso com todas as palavras, não queremos mesmo.
– Não tem nenhum preconceito, absolutamente nada. Isso está claro, só não queremos isso para bairro nenhum. Se falar que vão colocar na Tijuca, eu seria contra também. Para mim seria uma aberração também, é a mesma proporção, mesma comparação. Que sacanagem é essa? Quando fizeram no Engenhão pensei nisso, coitados dos moradores. Já viu o entorno do Engenhão, como foi uma lenha para fazerem? Não é um desrespeito? E outra coisa, o Flamengo é um péssimo vizinho, sempre foi um péssimo parceiro. Uma coisa não justifica a outra, não estou fazendo retaliação, mas é um péssimo vizinho. É vizinho de três escolas públicas, nunca se preocupou em ir fazer uma graça com as calçadas das escolas, tudo caindo aos pedaços. Ele nunca se preocupou em iluminar a entrada, o entorno, para dar segurança aos torcedores chegarem até lá. Nunca fez uma parceria para os alunos fazerem aulas lá, o que quer que seja. E mais, foi um grande desrespeito deles fazerem esse ensaio de um estádio sem comunicar, sem chamar a gente para conversar. Pegar um estádio de 5 mil pessoas e passar para 24 mil sem conversar com o morador, que é o vizinho dele.
Fonte: Globo Esporte